Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la,
mirá-la por admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é,
fazer vigília por ela, (...)
velar por ela, (...)
estar acordado por ela, (...)
"estar" por ela ou "ser" por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos
(...)
De certa forma eu sempre concordei com essas palavras, mesmo antes de Antônio Cícero tê-las escrito. E digo isto ao percebê-las nas mais variadas relações que mantive ao longo da vida, com pessoas e coisas.
Ao ganhar ou adquirir um bem novo, usava-o na primeira oportunidade “razoável” de fazê-lo. Aquilo que até soava exibicionismo era motivado por algo que sempre me levou a retirar imediatamente o plástico do visor do celular novinho e dos bancos do carro recém-comprado ou de concentrar todo o restinho raspado da panela de doce numa única colherada de encher a boca: a necessidade urgente de saboreá-los integralmente, percebê-los em plenitude – visão, tato, paladar... Sem obstruções.
Com aqueles seres enigmáticos que nos despertam, além dos "irrefreáveis impulsos", também ciúmes e, freqüentemente, sentimentos de posse, a necessidade era a mesma. Por mais interessantes que fossem, nunca as quis esconder como muitos. Ao contrário, buscava expor a faceta mais atraente de suas personalidades ao mergulhar de cabeça no universo ao redor delas – onde “reinavam”. Em outro âmbito, sempre estimulava o uso ou as presenteava com transparências e decotes, roupas que valorizassem seus destaques: o derrière generoso de uma, as pernas grossas de outra, os seios altivos e as belas costas da “maior”... E assim, de uma forma ou de outra, estava sempre contemplando o melhor delas.
Ultimamente, entretanto, tenho me deparado com algo bem diferente, vindo da relação com minha filha: a necessidade de controlar uma forte inclinação para hiperproteção...
É bem verdade que criei um blog para compartilhar com os amigos (e só com eles) breves e inesquecíveis momentos do primeiro ano, dos primeiros passos da vida da filhota, bem ao meu estilo.
Mas é inegável que algo me leva a nunca ter contratado uma folguista e ter enfrentado desde sempre nossos domingos e feriados a três evitando que ela tivesse contato tão próximo com quem não tínhamos intimidade; me faz receber um “certificado” do pediatra como o pai que nunca faltou a uma consulta do filho (nem a uma ultrassonografia ou mesmo consulta da mãe); ou me levou a dormir no hospital todos os dias em que minha mãe esteve hospitalizada, sem aceitar substitutos – meus olhos precisam estar lá, só meu coração não basta.
Eis, portanto, mais um desafio que percebo ter de enfrentar a partir de agora: discernir desvelo de asfixia, proteção de protecionismo, a mão que guia da que inibe os primeiros passos.
De uma coisa estou certo: não há fórmulas. Descobrirei fazendo.
E tentarei fazer o melhor, pois meus olhos as guardam a todo instante:
Estou por elas e sou por elas...