quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Consciência Negra (2)

Costumo escrever sobre algo que esteve em minha mente na semana da postagem, assim sendo, e respondendo a um questionamento de nosso amigo Hugo, tomo a liberdade de falar sobre o tema da postagem de nossa Paulinha...
...

Há alguns anos eu, um negro brasileiro, era contrário a um dia da Consciência Negra tanto quanto a sistemas de cotas ou quaisquer outras medidas que destacassem, separassem, segregassem o ser humano por ter ele a pele negra. Afinal, se não há raças na espécie humana, qualquer classificação com base na cor da pele fomentaria essa irracional, injusta, estúpida, violenta e cruel visão discriminatória que nos acompanha ao longo dos séculos. De fato eu era...

Se existem os negros Michael Joseph Jackson, que viram os brancos Michael Jackson, existem por outro lado os brancos Marcus Vinitius Cruz e Mello Moraes, que viram os negros Vinícius de Morais, nesses casos a equação se balanceia, a conta bate.
Longe do brilho dos refletores, entretanto, a coisa muda, o equilíbrio harmônico desaparece, e por motivos nada artísticos...

Existe um Dia da Mulher que não agride aos homens, um das Mães que não agride às madrastas, da Independência que não agride aos irmãos Portugueses, do Orgulho Gay que não agride aos héteros, um do Índio que não agride aos demais, porque um dia dedicado a Zumbi agrediria ao Duque de Caxias? Em outras palavras, porque um Dia da Consciência Negra agrediria e incentivaria a discriminação na sociedade?

Mas que uma bandeira contra a discriminação racial e, por extensão, contra quaisquer efeitos produzidos pela intolerância e pela não aceitação das diferenças, esse dia em especial resgata o orgulho por toda a luta, toda dor, toda a cultura, toda contribuição e toda a história que essa pele carrega por baixo apenas por sua especial pigmentação.

Sempre fui um negro em meio a brancos (nada mais natural, estamos no Brasil!), mas diferentemente do que ocorre com a maioria, minha vida sempre foi tranquila aqui:

  • Minha avó loira me acolhia carinhosamente em seu colo dizendo "venha meu neguinho!";
  • Minha mãe branca sempre beijou (com aquele nariz pontiagudo quase a me "furar o olho") meu "porrotinho lindo";
  • Em toda nova escola que eu entrava, sendo quase sempre o único negro na classe, cuidava inconscientemente de tirar 10 em todas as matérias (de média final, geralmente), garantindo assim o respeito e, principalmente, a aceitação do grupo;
  • A pele escura, a carne dura e uma certa ginga de corpo aliadas a algum refinamento no gosto e delicadeza no trato, sempre atraíram as amigas "mais brancas" do grupo atuando quase como um passaporte para outras classes sócio-econômicas (nunca consegui atrair uma menina que não fosse branquinha, delicadinha... danadinha! :P);
  • Tive boa educação, doméstica e acadêmica, cheguei a universidade, passei em concurso, tenho a vida estável.

Já sofri com a discriminação, sim (e isso está longe do fim), mas em todas as situações minha autoconfiança, oriunda da autoestima que essa "vida tranquila" me permitiu, fez com que minha raiva e humilhação fossem infinitamente inferiores ao desprezo e pena que senti pelo "agressor", e deu-me subsídios para responder sempre da forma mais adequada.

Esse condição confortável me fez esquecer de quem, diferentemente, não tem nada disso, e não por uma questão de falta de sorte ou de vocação para a baixa estima, mas por falta tanto de oportunidades, que lhes foram subtraídas bem antes do nascimento, lá atrás, no Holocausto Secular que foi a escravidão (e por que não se faz um minuto de silêncio por esse mesmo?), bem como por falta de identidade como grupo com uma só luta, de conhecimento das origens e consequências do problema, de orgulho da história e da cultura, de consciência das conquistas e de seu valor como ser igualmente humano... de consciência negra enfim.

Se a história esconde, a mídia nos convence do contrário, e o dia-a-dia nos faz esquecer, que o Dia da Consciência Negra nos lembre que não somos superiores a ninguém, mas não somos inferiores tampouco.

3 comentários:

  1. Lindo, Nôubi.

    Me fez pensar sobre ações afirmativas. Tenho caminhado no sentido de considerá-las necessárias cada vez mais.

    Bjs!

    Suzie

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  2. Valeu, Suz!

    Ao menos um comentário... (snif!)

    Já estava aqui imaginando quantos comentários eu despertaria se tivesse escrito sobre a Parada Gay :P

    ...

    As ações afirmativas ainda são um tema muito polêmico também para mim, acredite.

    Mas pensemos... Já é um bom começo.

    Bjo.

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  3. Os comentários estão fracos por este blog, hein? Cadê as mãos dos bocas???
    Adorei o post Noh!!!!
    Já essas ações afirmativas, Suz... penso que algumas favorecem a discriminação. Mas é um assunto polêmico...
    Viva o batuque do tambor e o som de agôgô!!!! \o/

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