terça-feira, 25 de agosto de 2009

"RECORDATIONE OMNIBUS"

Há quase 200 anos, quando inventou (meio que sem querer) o ônibus, o velho Coronel Stanislav Baudry provavelmente não imaginara quantas histórias aquele veículo “para todos” iria testemunhar: dos lugares segregados para brancos e negros às peripécias de Sônia Braga.

O objetivo desta postagem, entretanto, é apenas de me retratar diante desse democrático meio de transporte que hoje "atrapalha meu trânsito" e por isso só recebe de mim críticas, ali sentado em meu confortável e individualíssimo automóvel. Talvez seja a tal síndrome de "se fui pobre, não me lembro". De toda sorte, para todos, algumas de minhas recordações...

...

Dos seis aos nove anos, estive a bordo de um diariamente, indo ou voltando da casa de meus avós onde dormia dia sim, dia não. A partir dessa idade, já "safo", passei a dormir só em casa e, morando no central bairro da Boa Vista, minhas histórias envolvendo esses "espaços de convívio" tornaram-se menos cotidianas, mas sempre presentes ao longo dos anos. Algumas, profundamente tristes; outras, patéticas; quase todas, marcantes...

Lembro-me da ocasião em que, lá pelos 8 anos, dormi no banco e fui parar desnorteado no “assustador” terminal de “Brasilit”.

Lembro-me da última vez em que vi dois de meus guarda-chuvas, uma garrafa de mel "legítimo" e meu ioiô da Coca-Cola, certamente o esquecimento mais sentido.

Lembro-me de quando acompanhei à praia de Boa Viagem, lá pelos 11 anos, a noiva de um primo de fora que insistiu em voltar às 4h da tarde, num domingo, da frente do Holiday... Dentro daquele ônibus lotado, em pé próximo a porta da frente, eu vi alguém chamar um cidadão de “boneca” e este antes de sair, de sunguinha e pochete, virar-se para traz e aos berros ameaçar tirar dela um revolver: gritaria e rebuliço no coletivo... A menina que ocupava a cadeirinha individual, agachou-se sobre as pernas, a que vinha em pé ao lado dessa, inclinou-se sobre ela, e para mim, que vinha na sequencia, restou apenas baixar a cabeça... “Muito pouco” - pensei - daí surgiu a brilhante idéia de usar a barra de apoio vertical como escudo. Foi o que fiz. Recordo o quanto a sensação de estar ali protegido “atrás” de uma barra de ferro de 2 polegadas já foi reconfortante.

Lembro-me dos inúmeros motores quebrados, problemas com a fiação dos trólebus - nossos bondes modernos - do "Caixa de Fósforo" e do outro, espaçoso mas de vida curta; e de outras ocorrências que me levavam quase sempre a esperar, em bando, a passagem do seguinte, quase sempre lotado.

Lembro-me também, lá pelos 13 anos, de quase ter ficado preso entre as portas sanfonadas, de um e ter ficado ali nos degraus aguardando pacientemente a próxima parada (apesar de ter ouvido várias gracinhas) quando finalmente a porta abriu liberando a mochila escolar agora comprimida que eu carregava nas costas.

Lembro-me em flashes daquela outra vez, lá pelos 15, quando me dirigia ao Centro de Convenções e ouvi gritos na catraca ao meu lado. Ali, um cidadão gritava enquanto projetava-se sobre o cobrador com dois palmos de faca peixeira (enferrujada) na mão... Já em desabalada carreira pelo corredor viro para trás e percebo existir apenas alguns metros entre mim e aquele facão erguido... Foi quando eu concebi minha idéia mais brilhante ideia forjada em um coletivo: arqueei as costas (livrando-a de uma eventual trajetória descendente da faca) e mergulhei de peixinho entre os outros 10 passageiros que se amontoavam na porta (mais uma sanfonada)... Depois, eu já há uns 30, 40 metros adiante do ônibus parado, com a camisa de viscose desensacada e faltando um botão, tive que recusar a carona de um grupo que também se dirigia à formatura, por perceber que em um de meus pés faltava algo... De volta ao ônibus, alguém ergueu um mocassim preto à procura do dono – um resto de dignidade estava salvo.

Houve ainda a insólita viagem à terra de Tieta do Agreste, e uma das mais marcantes lembranças: a minha queda de um ônibus em movimento no meio de uma avenida movimentada seguida de um roubo cinematográfico, naquelas 24 horas que eu convencionei chamar de “Um Dia de Fúria”.

Mas essas duas ficam para um outro "short cuts"...

5 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkk
    Adorei!

    Me lembro que quando eu era da alfabetização, minha professora chegou com o braço engessado e contou como aconteceu: "Fui subir no ônibus, a porta fechou no meu braço e o ônibus andou".
    E eu, com minha mente maluca em formação, pensei: Como será que ela conseguiu pegar o braço dela de volta se o ônibus foi embora?

    Acho que essa foi minha primeira "Recordatione Omnibus".

    :)

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  2. Eu lembro de ter ficado esperando pacientemente pelo ônibus de dois andares passar pela rua e, quando ele finalemente passou, pensar "que massa!!!!".

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  3. -Pois é Robi, todos têm ao menos uma "Recordatione Omnibus", e a tua foi igualmente marcante, embora ficcional...

    -"Que massa"? E não andou nele depois da espera, Paulo?

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  4. Eu me lembro é de ficar esperando mais de 1 hora pelo Dois Irmãos/Rui Barbosa, pelo menos 2 vezes. Na primeira vez, o ônibus não passava, mesmo. Na segunda, quando o 3º ônibus lotado não parou, eu fui para a parada após o CPOR.

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  5. Nôubi!!!

    Sensacional!!!!

    Também tenho recordações especiais! :o) Lembro-me da minha sensação de independência por voltar pra casa da escola, devidamente acompanhada por meu irmão e uns amigos, aos 11 anos, de Setúbal. :o)

    Também lembro com carinho do CDU-Caxangá-Boa Viagem. Aliás, bem mais carinho que o CDU-Boa Viagem-Caxangá (aquela saída ali da Escola Técnica, às 18h era pau!!! uns 3 ônibus queimavam a parada antes de eu conseguir pegar um!)

    Lembro do primeiro ônibus mega civilizado em que andei, na Noruega em 1999. Não tinha cobrador, o "Vem" já era realidade, e a gente o carregava passando o cartão de crédito diretamente com o motorista!

    Por fim, lembro de uma passagem hilária, na última viagem de férias, em Balneário Camboriú. Mas essa só comento quando o tema do post for sobre micos... ;o)

    Beijão!

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